Saberes e memórias nas culturas africana e afro-brasileira: ações de educação museal online com objetos da exposição Kumbukumbu

Saberes e memórias nas culturas africana e afro-brasileira: ações de educação museal online com objetos da exposição Kumbukumbu

Durante os meses de junho a setembro, a equipe de extensionistas do Projeto “Museu Nacional Ocupa a Quinta – Encontros com a Comunidade”, realizou uma série de postagens nas redes sociais da Seção de Assistência ao Ensino (SAE) a fim de promover reflexão e diálogo com os nossos seguidores acerca da relação entre patrimônio histórico e o racismo. Esta questão ganhou mais visibilidade recentemente em decorrência do assassinato de George Floyd, quando o movimento negro intitulado “Vidas Negras Importam” colocou em evidência a luta contra o racismo, com protestos que derrubaram estátuas que remetiam ao colonialismo.

Na série, utilizamos como material principal das postagens os objetos da exposição “Kumbukumbu – África, Memória e Patrimônio”, exposição do Museu Nacional inaugurada em 2014, que contava um pouco da história da cultura africana com o Brasil por meio de seus 185 objetos.

Nos aprofundamos no conceito de Educação Museal Online (Marti; Santos, 2019) para construir uma relação dialógica com o público por meio das tecnologias digitais em rede, levantando as seguintes questões: Que outras memórias podemos construir a partir de um objeto histórico? Por que referências das culturas africanas raramente são retratadas como ícones da cultura popular ou transformadas em heróis, diferente das mitologias européias? Que histórias sobre África nós conhecemos? Que histórias de reis e rainhas africanos conhecemos?.

A partir dessas perguntas disparadoras, nos colocamos nesse debate de ideias com objetivo inicial de dialogar com os seguidores, abordando um pouco da cultura e história africana e de seus descendentes no Brasil, evidenciando narrativas que foram silenciadas ao longo do tempo. Além disso, prezamos pela experiência e vivência das pessoas que gentilmente interagiram conosco por meio de reações,  comentários nas postagens e respostas aos quizzes.

Iniciamos essa série de ações educativas abordando as memórias que os objetos podem construir. Um dos objetos utilizados na ação foi esta representação de Xangô, presente em cerimônias religiosas de matriz africana, apreendido no século XIX pela Polícia da Corte,.

A partir dessa ação, obtivemos comentários sobre a invisibilização da cultura afro-brasileira, o que não é um tema normalmente abordado na educação formal e em museus tradicionais, como podemos notar na fala de Carol: “há diversas figuras nacionais ligadas a memória ancestral, como Zumbi dos Palmares e Maria Quitéria que foram invisibilizados até mesmo do ensino”. Já Jonatan, outro seguidor, trouxe ao debate a questão de memória: “Sobre os monumentos que estão sendo alvo de protestos, é importante destacar que, eles trazem à memória as narrativas daqueles que perpetuam os privilégios desde o período colonial e que mantém o status quo dominante na atualidade.” e mostra como isso influencia os temas abordados em diferentes instituições:“(…) poderíamos relacionar à questão da invisibilização patrimonial que ocorre com a história da arte africana, que não é muito discutida em currículos acadêmicos de cursos universitários, assim como também quase não aparece nas  exposições de museus tradicionais”.

Matéria sobre os quadrinhos afro brasileiros do ilustrador Hugo Canuto

Outra estratégia utilizada para provocar conversas foi o compartilhamento de matérias. Postamos uma matéria que falava sobre uma HQ que representava um herói negro, inspirado em Xangô. A partir daí, surgiram reflexões sobre a invisibilização da cultura negra na cultura popular. O seguidor Cesar faz uma crítica a forma como a cultura negra é vista pela sociedade: “tudo que vem do negro é ruim. O estilo de roupa, o cabelo, a música, a capoeira…Repare que tudo que tenha origem na cultura negra tem muito mais dificuldade de ser aceito”. Esta visão precisa ser superada e deve haver maior representatividade nas produções literárias e audiovisuais. Foram citados também outros super heróis negros, principalmente internacionais, como Luke Cage, Pantera Negra, Ciborgue, John Stwart (Lanterna Verde), Manto, Tempestade, Vixen, Raio Negro, Diana da Caverna do Dragão.

Resposta do desafio
Desafio “Quiz da SAE”.

Nesta série, também usamos os stories do instagram como estratégia de interação. Produzimos um quiz, em que perguntamos “Qual destes objetos era de uso exclusivo de um rei?”, cujas opções eram “sandálias bordadas” e “máscara dourada”. Obtivemos percentuais equilibrados para ambas as respostas e, devido a isso, elaboramos postagens referentes às duas opções. Na ação sobre as sandálias bordadas do rei Adandozan, questionamos “Que outros reis e rainhas africanos(as) vocês conhecem?” e recebemos um comentário da seguidora Bi citando vários reis e rainhas africanos: “Grandes Alaafin de que me lembro: Kamalandela, Cetshwayo, Opoku Ware, kaMpande, Osei Tutu, Keanu Daí, Mansa Musa (rei dos reis!!!), Ghezo. Yás: Nzinga, Amina, Kahina, Yaa Asantewa, Yennenga. A gente tinha que aprender sobre eles na escola, gente. Não há desculpas para não estudar a grandeza da nação Asante, por exemplo!!!!”. Essa fala trouxe à equipe um conhecimento novo que enriqueceu a discussão sobre o tema e nos ensinou um pouco mais sobre a cultura africana. Além disso, um ponto que foi mencionado pela seguidora foi a necessidade de abordar esse conteúdo nas escolas. Nesse ponto, consideramos importante destacar a existência da lei 10.639/2003 que se refere, no Art. 26-A, à obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira em todo o currículo escolar.

Story do desafio “Que som é esse?” no Instagram
Story do Instagram com a resposta de um seguidor ao desafio e dica dada pela equipe

Posteriormente, lançamos outro desafio chamado “Que som é esse?” que apresentou um modelo de ação educativa diferente do que vínhamos produzindo, pois adicionamos o som de instrumentos musicais de origem africana, como o agogô e o tambor. Para que nossos seguidores pudessem adivinhar, demos algumas dicas e, por fim, revelamos a resposta, buscando conversar sobre o instrumento. Esta ação teve repercussão internacional, visto que recebemos comentário de Chiquinho, um artesão afro chileno: “A cultura afrochilena entro no proceso de reconstrução no ano 2000. Antes no meu país não se falaba de nossa cultura afro (pelo racismo estrutural da sociedade). Foi asim que o povo Afrochileno crio seus tambores como un homenaje ao trabalho do negro no vale de Azapa ao interior da ciudade de Arica (Chile) utilizando os barriles de aceitunas.” Em sua fala, percebemos o quanto é importante aprender e conhecer sobre outras culturas e o quanto o racismo estrutural se instaura com de modo a  invisibilizar o povo Afro Chileno. 

Flyer da Live “Encontro com a Comunidade on-line: O Museu na Quinta e nas Redes” pela 14ª Primavera dos Museus

E para finalizar, a equipe realizou o evento “Encontro com a Comunidade on-line: O Museu na Quinta e nas Redes”, como parte da programação da 14° Primavera dos Museus, cujo tema foi “Mundo Digital: Museus em Transformação”. 

Neste evento, falamos sobre o projeto e suas atividades durante esse período do isolamento social. Além disso, foi apresentada esta série de ações educativas “KumbuKumbu”, também abordando os conceitos de educação museal e educação museal online. 

A partir dessa série de ações educativas, percebemos o quanto é importante o diálogo sobre o tema e o contato com as vivências e experiências compartilhadas pelos seguidores que interagiram conosco. Além disso, refletimos mais criticamente acerca de perspectivas diferentes e de narrativas sobre a cultura africana e afro-brasileira, por meio das histórias relacionadas aos objetos do acervo do Museu Nacional.

Para saber mais:

Texto de Laura Souza, Tayane Febrone, Juliana Galvão, Aline Miranda e Patrícia Desterro.