Museu de Curiosidades#13 – Acima de nossas cabeças (1)/Antessala e Oratório
Acima de nossas cabeças (1)
Antessala e Oratório da Imperatriz Teresa Cristina
Muitos de nós, quando visitamos um museu, nos preocupamos principalmente com o que está ao alcance direto dos nos nossos olhos, ou seja os textos e os objetos expostos costumam ser o foco principal da nossa atenção. Entretanto, a série de três artigos intitulada Acima de nossas cabeças, busca despertar o olhar e a curiosidade dos visitantes do Museu Nacional para aspectos que podem ser vistos nos tetos mais exuberantes das salas expositivas. Fazemos, então, o convite: Vamos olhar para cima?
O edifício que hoje abriga o Museu Nacional/UFRJ foi por mais de 70 anos um Palácio. Este serviu de residência para a Família Real Portuguesa, a partir de 1808, e para a Família Imperial Brasileira, até o ano de 1889, quando é proclamada a República. A partir de então, o Paço de São Cristóvão passa a sediar a Assembleia Constituinte Republicana. Buscando ratificar o nacionalismo, muitas das referências físicas do Brasil Império foram apagadas, mas ainda hoje podemos ver algumas delas nos espaços expositivos do Museu Nacional.
A instituição, criada em 1818 por D. João VI, antes situada no Campo de Santana, no centro da cidade do Rio; inicialmente chamada de Museu Real, foi transferida para o Paço de São Cristóvão em 1892.
Agora que já conhecemos um pouco mais da história do Museu, vamos redescobrir alguns cômodos do Palácio. Usaremos como base a pesquisa realizada pela historiadora Regina Dantas (2007).
Que tal conhecer melhor a Antessala da Imperatriz Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II, e seu Oratório? Os referidos espaços ficam no segundo pavimento do Museu Nacional.
Precedida pelo gabinete de estudos de Pedro II, a Antessala – restaurada em 2006 – possui riqueza nos detalhes em madeira esculpida, recobertos com gesso e pinturas em ouro. Em alguns pontos é possível observar pequenas aves brancas, flores e anjos – no alto das entradas, e entre eles uma alegoria contendo as iniciais PII na parte interna e uma coroa na parte superior.
As pinturas decorativas internas do Paço são atribuídas a Manuel de Araújo Porto Alegre, e a sala representa o espaço privativo de Teresa Cristina. Sua localização ao lado do Gabinete de Estudos – espaço utilizado por Dom Pedro II para realização de leitura e produção de escrita – não deve ter sido mera coincidência, e é provável que tenha proporcionado maior proximidade entre o casal durante seus afazeres particulares.
Também é possível ver apliques em madeira no alto das entradas da sala, bem como a repetição das imagens do teto em que anjinhos aparecem junto as inicias PII.
Essas e outras características sugerem que a sala era utilizada como um lugar para reflexão próxima ao local do Oratório, espaço contíguo à antessala da Imperatriz.
Em Relatório Anual de 1956, o Prof. José Cândido de Melo Carvalho, então Diretor do Museu Nacional, tece comentários acerca das restaurações nos aposentos imperiais. Nesse contexto, são citados quatro vitrais que representam personagens da literatura italiana: Tasso e Eleonora, bem como Dante e Beatriz – personagens da mundialmente conhecida obra publicada no século XIV por Dante Alighieri, A Divina Comédia. É importante destacar que a Imperatriz era italiana.
Mesmo sem uma identificação clara de onde foram retirados os vitrais, acredita-se que ficavam na antessala que precedia o Oratório, haja vista a associação do material (vitrais) a locais religiosos.
Atualmente os vitrais estão no terceiro pavimento, em um espaço que já serviu de aposento para o Imperador Pedro II; próximo à sala da Direção do Museu, portanto longe do olhar do público visitante.
Mas as descobertas sobre os aposentos de Teresa Cristina não param por aqui. Não apenas aquelas realizadas por você ao ler este artigo ou por mim que o escrevo, mas também no início de 2006 para os restauradores dos espaços privativos da imperatriz. Durante a restauração, parte dos apliques das paredes foi retirada e sob eles surgiram duas pinturas aparentemente ligadas à mitologia grega. Uma delas sobre a porta que liga as duas salas representa Diana, a deusa da caça, tendo à direita uma outra figura feminina abraçada a dois cupidos; a outra era de : “…uma jovem à mesa servida por uma mulher idosa…”, assim registrada pelo já citado professor José Cândido de Carvalho.
As pinturas foram feitas durante o Império de Pedro I, por Francisco Pedro do Amaral, e por sua temática sugerem que o espaço tenha sido utilizado como um local de alimentação. A retratação de jantares e de outras práticas cotidianas relacionadas à alimentação em família, na residência das elites, foi uma prática iniciada na Antiguidade para expressar o poder do proprietário. Os indícios apontam que os apliques em madeira encobriam as pinturas para criar um recinto religioso para a Imperatriz; o que também levou à boa preservação das pinturas realizadas nos anos de 1826 e 1831.
E o que melhor contribui para a criação de um ambiente religioso do que uma representação do céu? É desta forma que se apresenta o teto do Oratório de Teresa Cristina.
Era neste espaço que a Imperatriz realizava suas orações, provavelmente buscando se aproximar de Deus. E por seu formato de abóboda celeste e suas estrelas douradas, a impressão que temos ao olhar para este teto por alguns minutos é a de estarmos verdadeiramente nas nuvens.
O teto do Oratório de alguma maneira nos remete ao Paraíso, que por sua vez corresponde a terceira parte do livro A Divina Comédia de Dante, obra sobre a qual falamos anteriormente. Nela, o Paraíso é representado por esferas concêntricas, sendo que a oitava delas, a esfera das estrelas fixas, é a que mais se aproxima da imagem do teto do Oratório.
Atualmente os espaços citados fazem parte da exposição de Arqueologia Pré-Colombiana. Nos mesmos se destacam algumas múmias naturais, tanto de indivíduos pertencentes a culturas que habitaram a região dos Andes ou do Atacama, quanto as três únicas múmias naturais já encontradas no Brasil. Em uma vitrine localizada no centro da Antessala da Imperatriz podemos ver a múmia de uma mulher e duas múmias de crianças que viveram há mais de 600 anos no atual território brasileiro.
Na segunda parte da série Acima de nossas cabeças, descobriremos qual a relação do símbolo da medicina com D.Pedro II. Falaremos sobre o incrível teto da Sala do Corpo Diplomático, sobre como estão representados os diferentes continentes no mesmo e também sobre como o Imperador se apropriava do referido espaço. Até lá!
Texto escrito por: Nayla de Souza Oliveira (Graduanda em Ciências Sociais pela UFRJ e Bolsista PRODICC da SAE/Museu Nacional UFRJ).
Referência bibliográfica:
DANTAS, Regina. A Casa do Imperador: do Paço de São Cristóvão ao Museu Nacional. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Memória Social). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Memória Social, 2007.